domingo, 8 de agosto de 2010

Considerações e peculiaridades das terceirizações no setor público e no setor privado

Atualmente tornou-se comum políticos conservadores utilizarem um discurso enfadonho e ilusório com a promessa de enxugar a máquina pública dos entes federativos (municipal, estadual e federal) substituindo o concurso público previsto no artigo 37, inciso II da Constituição Federal pelas terceirizações, mas na prática será que tal procedimento realmente é eficaz na redução de gastos públicos?


Há controvérsias, vale registrar que no setor privado o objetivo básico das terceirizações se resume a uma coisa: economizar e consequentemente reduzir custos, já no setor público não é bem assim, pois percebe-se que os objetivos são bem outros: o enriquecimento ilícito (sem causa) do empresariado e dos mandatários, a aquisição de verbas ilícitas para o financiamento de campanhas eleitorais daqueles que comandam a máquina pública e a barganha de empregos em troca de votos em favor dos governantes (eis a nova lógica do voto de cabresto no século XXI).



No fim das contas a terceirização no setor público traz muito mais prejuízos do que economias aos cofres públicos, senão vejamos.



No que tange ao enriquecimento ilícito e a aquisição de verbas para o financiamento de campanhas eleitorais tal contrato de prestação de serviços celebrado entre o poder público e a empresa precisa de uma característica peculiar: conter valores deveras superfaturados, com cifras bem acima dos valores usuais de mercado.



Quando um trabalhador terceirizado é contratado por uma empresa contratada pelo ente público percebe-se que tal contrato de prestação de serviços é temporário, por isso num determinado momento tal contrato de trabalho possivelmente será encerrado e rescindido, até porque a Lei de Licitações (lei federal nº 8.666/1993) proíbe tais contratações em caráter definitivo.



Em fim segue a 1ª dica: o trabalhador terceirizado não tem e nunca terá a estabilidade que o servidor público estatutário possui após 3 anos doravante a conclusão do estágio probatório.



Justamente por não existir tal estabilidade no setor privado que o contrato de trabalho celetista (CLT) obriga o empregador (contratado pelo poder público como prestador de serviços) a depositar um valor correspondente a 8% do salário na conta vinculada do trabalhador na Caixa Econômica Federal um fundo denominado FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (do empregado terceirizado) uma preocupação inexistente ao poder publico para com o servidor estatutário (estabilidade).



Diante da estabilidade do servidor público o mesmo não tem direito ao FGTS, partindo deste ponto percebe-se que o trabalhador terceirizado gera ao poder público uma despesa que o mesmo não teria se este trabalhador fosse um servidor público efetivo aprovado em concurso público como prevê a nossa Constituição Federal (art.37,II).



E ainda, alguns dizem por ai que a terceirização vai baratear os custos da máquina pública. Vale salientar que a despesa gerada pelo depósito obrigatório do FGTS é repassada para o contratante (tomador) ou seja, o poder público seja ele municipal, estadual ou federal.



Sem contar o aviso-prévio: o servidor efetivo concursado também não gera esta despesa rescisória trabalhista ao poder público, mas o empregado terceirizado...



Na rescisão contratual do trabalhador terceirizado há uma multa rescisória de 40% sobre o saldo da conta vinculada na qual está depositado o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), despesa também inexistente ao poder público quando ocorre uma exoneração de servidor público efetivo concursado dos quadros do funcionalismo público seja a pedido, ou de ofício.



Sem contar os outros consectários contratuais trabalhistas de natureza rescisória que também são repassados ao poder público tais como as férias proporcionais e o 13° salário proporcional cada um deles devidamente acrescidos em 1/3.



Em fim doravante a esta leitura não se enganem mais com o discurso de que as terceirizações barateiam a máquina pública, pois na prática ocorre justamente o oposto: prejuízos.



Portanto segue a 2ª dica: a melhor forma do poder público nas 3 esferas de governo economizar despesa com pessoal é seguir a nossa Carta Maior, especificamente o artigo 37, inciso II da Constituição Federal e realizar concurso público.



No que tange a barganha de empregos por votos o sistema funciona mais ou menos assim: o chefe imediato do empregado chega para o mesmo empregado terceirizado e pede para que ele vote em determinado candidato, pois se este candidato perder as eleições todos vão perder o emprego, pois o contrato de prestação de serviços corre o risco de não ser renovado pelo ente público. 



Com esta pressão psicológica absurda o empregado terceirizado do setor público tem o seu direito de livre escolha ceifado por uma chantagem emocional e ainda torna-se muitas vezes involuntariamente um cabo eleitoral destes políticos inescrupulosos quando por exemplo chega em casa e pede aos seus parentes, esposa, pais, primos e irmãos que votem naquele mesmo político.



Esta pequena narrativa sintetizada nos dois parágrafos anteriores retratam claramente a nova lógica do voto de cabresto do século XXI, triste de quem pensa que o voto de cabresto acabou, em verdade tal voto de cabresto continua vivo e operante porém reconfigurado, sutil e quase imperceptível. 



Enquanto isso os trabalhadores terceirizados no setor público sofrem em silêncio um processo nefasto de esquartejamento dos direitos trabalhistas: atrasos salariais, ausência de folgas, de pagamento de horas-extras, dos adicionais noturnos, do adicional de insalubridade, do adicional de periculosidade sem contar os problemas que se agravam com a omissão de alguns sindicatos representativos.



Sem contar outro recente fenômeno que potencializa ainda mais este esquartejamento dos direitos trabalhistas: a “PEJOTIZAÇÃO” (CNPJ), no qual as contratantes obrigam os trabalhadores a constituír empresas de fachada (pessoas jurídicas) para celebrar com estas empresas contratos de prestação de serviços (quarteirização) entre duas pessoas jurídicas distintas: a do contratante e a da empresa (de fachada) dos trabalhadores terceirizados quando em verdade deveriam ser celebrados diversos contratos individuais de trabalho, com a devida assinatura das respectivas CTPSs (Carteiras de Trabalho e Previdência Social) de cada empregado envolvido na relação de trabalho (pessoa física).



Tais contratos individuais de trabalho deveriam ser regidos pela CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, mas com a "PEJOTIZAÇÃO" (CNPJ) os mesmos se transformam em meros contratos de prestação de serviços entre duas pessoas juridicas distintas, do qual uma é de "fachada" e foi constituída apenas para dissumular o vinculo trabalhista.



O objetivo maior da “PEJOTIZAÇÃO” (CNPJ) consiste em obter enriquecimento ilícito com a retenção ilegal dos encargos trabalhistas pagos pelo poder público as empresas contratadas pelo mesmo ente público driblando as previsões legais dos artigos 2° e 3° da CLT a fim de mascarar o vínculo empregatício existente e caracterizado pela: não-eventualidade, subordinação e remuneração simulando um contrato fraudulento de prestação de serviços entre 2 empresas: a do empregador e a dos trabalhadores (empresa de fachada criada para dissimular o vínculo trabalhista).



Com a exigência da abertura de empresa (de fachada) transmuta-se por meio ardiloso e fraudulento o notório vinculo empregatício para um mero contrato de prestação de serviços (quarteirização) entre duas pessoas jurídicas distintas: a da empresa contratante e a empresa dos trabalhadores (empresa de fachada).



Com a celebração do referido contrato de prestação de serviços o contratante imagina que ficará eximido de arcar com os consectários contratuais trabalhistas, visto que esta responsabilidade supostamente ficará com a empresa (quarteirizada) contratada cujos sócios são os próprios trabalhadores o que aprioristicamente torna surreal e inviável um litígio trabalhista destes mesmos trabalhadores contra a empresa quarteirizada constituída por eles mesmos, o grande problema é que o poder público pagou os encargos trabalhistas a terceirizada e estes valores ficam retidos com a empresa contratada diretamente pelo poder público o que denota inequívoco enriquecimento ilícito. 



Em síntese: a "PEJOTIZAÇÃO" é uma quarteirização fraudulenta que visa burlar obrigações trabalhistas e gerar enriquecimento ilicito à empresa (terceirizada) que contrata com o poder público, visto que a mesma cobra os encargos trabalhistas do poder público, mas simula uma quarteirização inexistente (PEJOTIZAÇÃO) para não ter tais despesas, não fazendo portanto tais repasses obrigatórios aos trabalhadores que ao abrir uma empresa de fachada tornam-se meros prestadores de serviços, nada mais a volver neste ponto.



Conclusivamente segue a 3ª dica: as terceirizações no setor público na prática tem gerado muito mais prejuízos do que lucros, o que pormenorizadamente se traduz em prejuízos aos cofres públicos, enriquecimento ilícito e diversos danos psicológicos, sociais e ao patrimônio jurídico dos trabalhadores, sobretudo no que tange aos direitos trabalhistas e previdenciários.



Está em voga o aberrante e famigerado Projeto de Lei n° 549/2009 cujo autor é o Deputado Federal Romero Jucá que objetiva suspender a realização de concursos públicos em todo pais por dez anos e congelar os vencimentos dos servidores pelos mesmos 10 anos, saliento que a aprovação deste absurdo projeto de lei vai assegurar a expansão ilimitada e irrefreável das terceirizações em todo o Brasil, pois justificar-se-ão a contratação de mão-de-obra terceirizada ante a proibição de abertura de novos concursos públicos após a vigência da malsinada lei (que ainda não foi aprovada e espero que não seja). 



Gize-se que tal possibilidade citada no parágrafo anterior ocorrerá apenas se este aberrante Projeto de Lei de n° 549/2009 for aprovado pelo Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), sancionada pela Presidente da República e depois publicado no DOU- Diário Oficial da União.



Já no setor privado as terceirizações realmente atendem a finalidade de gerar economia nos custos de produção a fim de maximizar os seus lucros.



Para facilitar a compreensão objetiva das terceirizações no setor privado trago o exemplo da linha de montagem de aviões da multinacional norte-americana Boeing Commercial Airplanes a maior empresa aeronáutica do mundo, vejamos a linha de montagem do modelo Boeing 777, o primeiro avião comercial do mundo a ser concebido em computador e composto por mais ou menos 300.000 peças:



As asas da aeronave são confeccionadas no Canadá, os painéis de fuselagem, a seção central da asa e sanitários são confeccionados no Japão, o leme vertical aqui no Brasil, o controle de bordo é produzido na Inglaterra e controle de direção na Austrália.



Países como a Espanha não participam da linha de montagem da aeronave, pois possui a incidência percentual sobre a hora-extra trabalhada dentre as mais altas do mundo, em torno de 700% sobre cada hora trabalhada, o que seria contraproducente ao ensejo de maximizar a qualidade do produto final, utilizando mão-de-obra altamente qualificada e especializada com o mínimo custo.



A China também não participa desta etapa mais complexa, pois lá ocorre o inverso da Espanha visto que por ser o país de maior população no mundo dispõe de mão-de-obra muito barata (excesso de oferta de mão-de-obra), porém (por enquanto) sem qualificação especializada para desempenhar tais serviços que demandam maior grau de complexidade e de especialização à produção industrial em comento, sem contar que os mesmos de posse destas informações venham obter know-how para produzir aeronaves comerciais com tecnologia 100% chinesa.



Outro exemplo se torna perceptível quando outras grandes multinacionais transferem as suas linhas de produção de bens de consumo duráveis e de menor complexidade produtiva à montagem em países asiáticos como a China, Índia, Taiwan, Indonésia e Cingapura, pois são países extremamente populosos e com mão-de-obra especializada para desempenhar tais serviços de menor complexidade e lá as filiais destas multinacionais transferem (terceirizam) para empresas pequenas a tarefa de concluir determinadas etapas da linha de produção de um determinado bem, quase sempre relacionados a montagem.



Com a crise econômica internacional de 2008 diversas multinacionais fecharam as suas fábricas nos países desenvolvidos (1° mundo) e transferiram as suas linhas de produção para países em desenvolvimento (emergentes) e nestes países as filiais terceirizam às empresas menores determinadas etapas da produção do bem de consumo.



Aqui no Brasil também vivenciamos este processo análogo, pois a titulo de exemplo até 1999 tinhamos apenas 4 multinacionais fabricando veículos automotores no país (Fiat, Volkswagem, Chevrolet e Ford), hoje temos 14 e mais quatro em fase de instalação.



Em tempos de economia globalizada a terceirização no setor privado tem apenas um objetivo: diminuir custos de produção para maximizar lucros.



Portanto segue a 4ª e última dica: não se enganem mais quando alguns políticos mal intencionados prometerem enxugar a máquina pública com as terceirizações, pois no plano da eficácia os resultados práticos no setor público são inversos (prejuízos) se comparados ao setor privado (redução de custos).

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